A sexualidade juvenil

O conto “O primeiro beijo”, de Clarice Lispector, faz o leitor mergulhar com vivacidade na experiência da descoberta sexual.

por Lis S. Crivellari

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“O Primeiro Beijo”, obra de Clarice Lispector, explora o amor e a sexualidade juvenil. Um casal de adolescentes conversa, e a menina pergunta ao menino se seu primeiro beijo fora com outra. Daí se inicia a descrição de seu primeiro beijo e o desenvolvimento da narrativa.

Clarice é uma grande figura da literatura brasileira, e suas histórias já são consideradas clássicos. Nascida na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920, chega ao Brasil em março de 1922. Passou a infância na cidade do Recife e, em 1937, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Inicia sua carreira literária em 1943, com o romance “Perto do Coração Selvagem”, que fora bem recebido pelo público, recebendo o Prêmio Graça Aranha.

O menino, na narrativa, sentia sede imensa enquanto estava em um ônibus de excursão, e se satisfez com a água da fonte de uma estátua feminina na parada que fizeram. Essa sede pode ser comparada à libido, desenvolvida na adolescência, e insaciável. A água que jorra da boca da estátua devolve a vida ao garoto, que se sente aliviado ao satisfazer sua necessidade natural, e novamente pode-se atrelar isso ao desejo sexual. A vida lhe foi dada pela “mulher”, portanto, despertou e amadureceu.

O desejo sexual é um dos mais recentes a se desenvolver. A libido é considerada por muitos de fonte maternal, e o sexo parte do ciclo natural, seja em prol do conforto, prazer ou da própria reprodução da espécie. Sigmund Freud, psicólogo influente do início do século XX, propõe que a sexualidade é desenvolvida em três fases pré-genitais:

“(…) fase oral, na qual a atividade sexual está ligada diretamente à nutrição. Ao nascer, a criança reconhece a boca como o órgão mais sensorial, é através dela que o bebê começará a reconhecer o mundo. A fase anal é a etapa de maturação do controle muscular da criança, aqui ela começa a desenvolver sua organização motora. A zona de erotização é o ânus. Sua ligação afetiva se dá com o produto, com o valor simbólico das fezes, promovendo mecanismos psicológicos ligados à projeção e ao controle. A fase fálica é quando se dá a descoberta e preocupação na diferença entre meninos e meninas. Aqui a zona de erotização são os genitais. Esta fase promoverá as organizações psicológicas de masculino e feminino e organizam-se, também, os modelos relacionais entre homens e mulheres.” (fonte)

Clarice, no conto, mostra a vitalidade do menino, a inocência infantil e a mudança que se mostra na experiência. Retrata a transição de garoto para homem, o amadurecimento que se tem a partir do contato sexual, e mesmo assim sua inocência, quando seu despertar é com a figura de uma estátua, algo material que remetia à figura feminina. Essa dualidade é explorada no conto:

“Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.” (trecho de “O Primeiro Beijo”, Clarice Lispector).

Escritora da década de 1940, Lispector dá vida ao texto, analisando e criticando a questão da sexualidade com uma narrativa interessante, com a visão atualizada para nosso século. Relaciona a ideia principal do texto e sua própria narrativa de um modo metafórico, explorando a fragilidade e importância do assunto.

A sexualidade tem sua banalização e repressão social, causando na formação sexual o sentimento de culpabilidade e transformando o natural em algo impuro. Em “O Primeiro Beijo”, Clarice desconstrói a vulgaridade atribuída ao sexo, e analisa o primeiro beijo, a “tensão” e o orgulho que sente o menino com a própria vida, poetizando e humanizando suas palavras para proporcionar ao leitor essa mesma visão.